quinta-feira, 30 de junho de 2016

Entrevista - João Cesar Monteiro

Enquanto o texto da terceira sessão na sai, fica aqui a entrevista de João César Monteiro indicada por Érico Araújo durante a nossa conversa sobre o filme: https://www.youtube.com/watch?v=DJ_TrfMBaG0

segunda-feira, 27 de junho de 2016

2ª sessão do cineclube de HCM – 20/06/2016

Texto escrito por Murilo Barbosa para a segunda sessão do cineclube.

Na segunda sessão do cineclube da disciplina de História do Cinema Mundial foi exibida a produção senegalesa Touki Bouki (1973), primeiro longa-metragem de Djibril Diop Mambéty. Contamos nesse encontro com a participação de Tiago Castro, pesquisador do cinema africano e mestre pelo PPGCOM/UFF.
A mesa foi aberta com uma breve apresentação em que Tiago nos ofereceu um panorama deste que seria o mais jovem cinema do mundo, uma vez que assistira ao desenvolvimento de suas bases a partir do processo de independência de nações africanas na década de 60. Dado o que não é difícil compreender que em grande medida esse cinema seja voltado à construção de uma linguagem que lhe seja própria, que se afirme enquanto emancipada e que consiga, antes de mais nada, se autorrepresentar.
O Senegal surge aqui como um chamado “berço” do cinema africano. A primeira produção rodada em terras do continente seria Borom Sarret (1963), curta-metragem de estreia de Ousmane Sembène. Sem se esquecer que antes disso já houvera um filme rodado por senegaleses, porém em terras europeias. Afrique sur Seine (1955), de Paulin S. Veyra e Mamadou Sarr, dedica-se ao retrato das condições de estudantes africanos na França – país com o qual, mesmo após a descolonização, o Senegal manterá muitos laços.
La noire de… (1966), que explora os efeitos da dominação cultural através da história de uma jovem que se muda para a França, é o primeiro longa-metragem de Ousmane Sembène e também o primeiro filme africano a ganhar reconhecimento internacional. A partir de então seria identificado com esse cinema o chamado realismo socialista – linguagem marcada pelo realismo em sua forma e pelo socialismo em seu conteúdo.
E aqui é o momento em que Mambéty surge e se destoa, nos trazendo uma linguagem sem progressão linear narrativa e amplamente aberto a interpretações.
Touki Bouki é seu primeiro longa e traz a história de um casal de jovens: Mory, um vaqueiro que monta uma motocicleta com um crânio bovino, e Anta, uma estudante universitária. Descontentes com o próprio país e maravilhados com o imaginário de uma França idealizada, buscam diferentes e astuciosas formas de se conseguir dinheiro para poder embarcar para longe de sua terra.

Após a projeção foi aberto o espaço para o debate e muitas questões interessantes foram levantadas. Podemos começar relembrando algumas:

o retrato da juventude aparece como um aspecto importante da obra de Mambéty e de maneira bastante simbólica. Os jovens, com todo o seu potencial revolucionário, poderiam ser aqueles que almejam transformar o país. Porém, completamente desiludidos, negam este potencial e tudo o que buscam é ir embora e deixar o país para trás. Esta triste representação de uma juventude pós-colonial traz consigo o peso do legado deixado pela exploração. E consigo o vazio: de não se ter mais, simplesmente, solução a que se recorrer;
o conflito entre tradição e modernidade permeia todo o filme enquanto reflexo do próprio país. Mory traz essa contradição dentro de si e sua moto com chifres de boi é o seu grande símbolo. Com passado de vaqueiro, mas agora sem lugar, ele vagueia pelas cidades. A sua opção no momento derradeiro marca a negação da modernidade que antes buscara. Enquanto Anta, em sentido contrário, se vê sozinha no cinza do navio que zarpa no mar vazio. Nenhum dos dois terá final que se realize; mais uma vez, chegamos à ausência de qualquer solução;
o conflito entre a tradição oral e as referências europeias também é marca da produção. Simbólica em especial na trilha sonora, que mescla músicas africanas com o jazz e o blues;
a representação de tabus destoa o cinema de Mambéty de seus conterrâneos. Trabalha-se a morte, o sexo, a nudez e a homossexualidade. Todos entremeados de significados e símbolos.

Temos aqui, portanto, uma obra moderna, carregada pelas contradições sobre as quais a sua produção se assenta e que, se não quer selar o destino daquilo que retrata, quer causar sobre ele ao menos um desconforto. Foi levantado na conversa o fato de que esse filme chegou a ser criticado, no contexto das produções africanas, por não apresentar uma crítica social. Mas que em verdade, e em sentido totalmente diferente, a crítica se faz aqui sim presente. Ela se faz pela sua acidez; também pela ironia de muitos momentos. Sintomático é, por exemplo, o personagem do policial, interessado apenas em seu cigarro; ou do burguês, que conhece todos os policiais pelo nome e tece com eles uma relação estreita de corrupção. A apatia dos ricos na piscina em frente ao mar e o absurdo onírico dos personagens principais em desfile na parada são outras sequências que poderiam ser citadas.
A relação com a França, a maneira como Paris é idealizada e ao mesmo tempo ironizada mereceu atenção especial. A música da trilha é cantada por Josephine Baker, exemplificando rara exceção em que uma negra em território francês atinge a tão desejada ascensão. Ao mesmo tempo, o navio que levará Anta se chama Ancerville, em alusão ao navio que conduzira a personagem de “Le noire de...” para a frustração naquelas terras.
Chegamos a que Mory talvez seja o próprio boi no abate, enquanto jovem pós-colonial: alienado da função que um dia exercera, e agora às margens, sem lugar. Sua moto é roubada e se destrói; o que ele tinha, se perde enquanto cegamente outra coisa era procurada. Entra-se em uma dimensão cíclica, provando que as dificuldades que existiam enquanto colônia ainda perduram, mesmo que de outra forma. Quando Mory encontra a moto destruída, e levanta o chifre caído com a mão, o homem que a roubara lhe dirige a voz: “Está reconhecendo? Era uma bela fera.”

Foi um belo filme e uma bela sessão. Muitos dos presentes falaram, e também foram levantados certos aspectos da linguagem. A montagem é bastante ousada, assumindo o delírio ao misturar, em certas sequências, momentos documentais com planos sem continuidade. A sensação que ela constrói é diferenciada, em que muitas coisas não se sabe ao certo se aconteceu, ou em que ordem aconteceu. Há também em momentos o trabalho com a profundidade de campo: em planos com o mar, aumenta-se (ou evidencia-se) a distância entre os personagens e os navios – entre eles e aquela realidade que eles acreditam existir em algum lugar. Há a saturação de certas cores, como em roupas, em contraste com a paisagem africana. E bastante preparo no roteiro, na construção da narrativa; uma preocupação com a melhor realização daquele que foi o filme imaginado.
Uma obra bastante representativa, e que vale ser buscada por quem não pôde comparecer.

domingo, 26 de junho de 2016

HCM no jornal

O cineclube de HCM junto do cineclube Rã Vermelha realizou a I Mostra de Horror Nacional - Desenterrados e foi notícia no jornal O Fluminense

http://www.ofluminense.com.br/pt-br/cultura/o-terror-ganha-espa%C3%A7o

Ela Está Aqui

O link para o primeiro trabalho de vídeo feito nas aulas de monitoria da disciplina de história do cinema mundial.
Trabalho realizado por Andressa Ribeiro, Lucas Dutra e Olivia Vianna

https://www.youtube.com/watch?v=hqYI-M6NkSU&feature=youtu.be

1ª Sessão do cineclube de HCM - 30/05/2016

Discussões acerca de Pyaasa e o cinema hindi
A primeira sessão do cineclube de HCM aconteceu no dia 30/05 na sala Interartes no IACS/UFF. Iniciamos esta atividade extraclasse exibindo o filme indiano Pyaasa, dirigido por Guru Dutt e recebemos a convidada Emília Teles, doutoranda pelo PPGCOM/UFF com uma pesquisa voltada para o cinema hindi. É importante ressaltar a delimitação que a própria Emília fez no início de sua fala, porque o cinema indiano tem várias diferenças entre si. Diferenças essas, basicamente, geográficas, mas também socioeconômicas, gerando diferentes polos de produção no país.
O cinema hindi, no caso, é o cinema produzido em Bombaim, cidade mais populosa da Indía e que abriga hoje a produção de Bollywood. Pyaasa foi produzido em 1957 (segundo Emília, Bollywood passa a ser denominada como tal, a partir da década de 1990), mas pode ser pensado como um filme pré-bollywood, pois algumas características já aparecem, por exemplo, as músicas que atravessam toda a narrativa.
Além das músicas, outro fator de Pyaasa que foi destacado durante a conversa foi que esse era o cinema popular, visto pelas multidões que lotavam as salas dos cinemas indianos e, além disso, eram distribuídos em outras partes do mundo. Assim como Bollywood é hoje, ao chegar em outros países como no vizinho Paquistão (que chegou a impedir a entrada de filmes indianos no país durante certa época, devido ao conflito entre os dois países) ou em bairros periféricos de Paris, com uma população majoritariamente muçulmana. O fato é que esses filmes engajavam os espectadores das classes populares da Índia e, ao mesmo tempo, eram vistos com “maus olhos” pela burguesia do país. Houve um destaque comparativo com o melodrama no ocidente, que atingia as classes populares, porém era mal visto pela burguesia, comparação que foi feita também, na linguagem do filme em si, como comentaremos mais adiante.
Mesmo que a burguesia indiana não considerasse esses filmes como algo sadio para a cultura do país, Pyaasa foi uma exceção, sendo até hoje, considerado um dos melhores filmes indianos de todos os tempos e o diretor Guru Dutt alcançou grande prestígio no meio cinematográfico indiano, porém o seu filme seguinte foi um grande fracasso de público e ele nunca mais dirigiu nenhum filme na carreira, continuou trabalhando com cinema, como ator ou produtor, mas veio a falecer sete anos depois do lançamento do seu principal filme, pelo uso excessivo de remédios. A hipótese de suicídio é real, pois o próprio já falava sobre isso, mas nunca foi confirmada, de fato.
Outro assunto que foi comentado por Emília, foi a dificuldade de se fazer a pesquisa sobre o cinema indiano, são várias barreiras, como a língua, por exemplo. Pyaasa, especificamente, é um filme em que a pesquisadora enxerga um certo grau de melancolia devido ao momento histórico que a Índia passava, pois, quando se tornou independente da Inglaterra em 1947, o sentimento da nação era que o país entrava em um novo período de sua história, em que a população não ficaria mais dependente de uma nação exploradora e passaria a controlar a sua política interna, alçando o país a uma estrutura social mais estável e sem diferenças de classe como havia. Porém, não se atingiu o que era desejado, o país continuou distante de uma nação minimamente igualitária e problemas sociais continuaram presentes para toda a população. Para adentrar nos textos desse momento em que a Índia passou, há uma bibliografia que não está em inglês (mesmo se estivesse, já poderia ser um impedimento), somente em hindi o que impossibilita o acesso. Mesmo os filmes, - a maioria não tem legendas em português e alguns tampouco legendas em inglês - impossibilitam um total entendimento dos mesmos para quem vive no Brasil.
Além disso, as narrativas dos filmes, em geral, são permeadas por fatores culturais que nem sempre um ocidental poderá entender. Como exemplo, a pesquisadora comentou de outro filme indiano da mesma época que o par romântico nunca se viu, porém, eles ouvem um ao outro enquanto cantam, isso leva os dois a se apaixonarem perdidamente, pois a música para os indianos é transcendental, eles entendem ser possível alcançar o que há de mais profundo no ser humano, através da música. Esse filme, não faria tanto sentido para um público ocidental de forma geral, mas para os indianos, o significado é claro. Essa “barreira cultural”, constrói certa dificuldade de pensar o cinema indiano. Como um dos professores da disciplina de História do Cinema Mundial, Fabián Núñez já comentou em sala de aula, há toda uma construção do nosso imaginário ocidental calcado em uma narrativa vinda da “Poética” de Aristóteles. Para os indianos, porém, os modelos narrativos são diferentes de tal imaginário.
Outra dificuldade que a pesquisadora apontou ao falar sobre a sua pesquisa foi o desconhecimento sobre a indústria cultural indiana, principalmente, ao que não está ligado diretamente com o cinema. Como Emília comentou, as músicas dos filmes indianos, tornavam-se discos para serem vendidos após os filmes saírem de cartaz, então, a indústria do cinema indiano esteve muito ligada ao rádio, construindo um “star system” parecido, porém, acessar textos que tratam sobre o rádio na Índia, principalmente na década de 1950, é praticamente impossível. Assim como trabalhos que tratam sobre o teatro, pois esta expressão artística também teve muita relação com o cinema indiano.
Falando propriamente de Pyaasa, há dois comentários de Emília Teles que chamam a atenção sobre a moralização da sociedade hindu que refletem no filme. O primeiro é que não há beijos entre os casais, todos os filmes passavam pela censura e qualquer cena assim era cortada, essa lei perdurou até a década de 1980 e pode ser melhor entendida no artigo da pesquisadora “O Beijo ausente: reflexos do colonialismo e da luta pela independência no cinema de Bombaim da era colonial indiana”. De fato, no filme, os casais não se beijam nenhuma vez. Outro comentário interessante foi sobre uma personagem no filme, Gulabo que é uma cortesã. A pesquisadora comentou algumas vezes sobre as cortesãs e como elas são importantes para a cultura indiana. Durante o domínio inglês sobre a Índia, elas eram mulheres que tinham o próprio dinheiro e direito a ter posses, ao contrário de outras mulheres que deveriam viver para servir aos maridos. Isso mudou durante a independência do país e com a necessidade da burguesia de moralizar os costumes, as cortesãs passaram a sofrer preconceito, serem vistas como mulheres que não mereciam o status social que tinham até então. A personagem Gulabo já é uma cortesã afetada por essa visão moralista da sociedade e vive de forma humilde, sem direito a posses, como as cortesãs de outrora.
No filme, Gulabo faz par com o protagonista Vijay (interpretado por Guru Dutt), este é um poeta que tem seus trabalhos jogados no lixo pelos irmãos e é expulso de casa por eles porque não trabalha. Vijay passa a dormir na rua e ouve a cortesã cantando seus poemas, vai até ela, porém, não consegue se identificar como o autor dos trabalhos e Gulabo pede para ele se retirar. Além disso, Vijay reencontra um antigo amor, Meena que deixou de ficar com ele para ficar com um homem rico, pois Vijay não seria capaz de sustentá-la. Como a própria diz: “eu amava você, mas era pobre e estava desempregado. No amor, além de poesia, há fome”, assumindo uma postura mais subserviente que Gulabo, reflexo das possibilidades que tinham as cortesãs, como já foi comentado. Porém, Vijay passa a trabalhar para o atual marido de Meena com a possibilidade que ele publique seus poemas, então não pode se relacionar com ela.
Na sequência seguinte, percebemos que Gulabo é uma personagem mais forte. Ela é jogada para fora de um carro por um homem e ela enfrenta-o e exige que ele lhe pague, ele chama um policial e ela sai correndo, dando a entender que ela faz uma atividade ilegal. Vijay a encontra e a salva e, assim, o conflito deste triangulo amoroso está formado.
Como já exposto acima, essa estrutura narrativa se assemelha muito ao melodrama, algo que foi colocado durante a discussão. A forma como Guru Dutt constrói seus planos também aproxima Pyaasa do melodrama ocidental e como Emília comentou, é bem possível que Guru Dutt tenha assistido a filmes hollywoodianos na Índia. Mesmo sem dados específicos, ela explicou que os filmes americanos chegavam na Índia, assim como os filmes soviéticos. E, de fato, há um uso do campo/contracampo no filme, embora, não tão constante quanto no cinema clássico americano. Uma sequência que chamou a atenção é o momento em que Vijay está preso e seus irmãos devem reconhecer para a polícia se ele é, de fato, quem diz ser. Os irmãos, porém, recebem dinheiro para desmentir a versão de Vijay e afirmar que ele é um impostor. Nesse momento, os irmãos estão na ponta de um corredor e Vijay está em outra, Guru Dutt faz um zoom in muito longo dos irmãos para Vijay e depois um zoom out de volta, mostrando as distâncias (física e moral) entre eles. Além disso, o close em Vijay escancara toda a dor do personagem por estar naquela situação.
No final do filme, outra sequência chamou muito a atenção. Emília Teles comentou que muitos filmes daquela época assumiam uma postura de distância dos bens materiais e mundanos para a aproximação de uma riqueza espiritual. Isso acontece com Vijay, ele desiste de ser reconhecido por seus poemas e seu desejo passa a ser viver distante da cidade e de quem lhe quer bem por ser reconhecido como poeta. Quando ele vai explicar isso a Meena, a câmera rejeita o campo/contracampo (algo natural aos nossos olhos) e fica acima dos dois, assumindo um aspecto divinal reforçado pela fumaça que cobre os pés dos personagens e não permite que vejamos o chão da casa. Logo após isso, ele reencontra Gulabo e foge com ela do espaço urbano opressor e profano para procurar um ambiente em que possam viver em paz. Segundo a pesquisadora, essa riqueza espiritual é algo muito importante para os indianos e convívio com a riqueza material é bastante conflitante.

Assistir ao filme que ninguém ali e conhecia e dialogar com uma pesquisadora sobre tal assunto foi muito rico para todos os presentes que saíram com a certeza que foi muito válida toda a discussão.